Uma triste notícia nesse fim de semana: faleceu o seu Dedé, nosso companheiro de trabalho no Arquivo.
Seu Dedé, bem diante de Ciccillo Matarazzo, numa comemoração durante a 6ª Bienal (1961)
O seu Dedé era o funcionário mais antigo da Bienal. Ele trabalhava aqui desde 1959. Imaginem, passou 54 anos numa Fundação que tinha como tônica dominante, por muito tempo, a própria bianualidade de seu evento, e com isso, novos presidentes, curadores, funcionários… Era a memória viva e contínua de uma instituição marcada pela descontinuidade. No entanto, guardava quase toda essa vivência para si.
Um dos primeiros posts do Blog do Arquivo foi uma pequena homenagem ao seu Dedé. Com muito esforço conseguimos um breve depoimento dele, a partir de umas fotografias de um campeonato de sinuca em que ele aparece como um dos jogadores na “grande final”, lá pros idos dos anos 80, encontrada no Arquivo. O seu Dedé só falava quando questionado, e mesmo assim, falava pouco. Talvez fosse exatamente esse silêncio e a sua discrição que o fizeram permanecer aqui por tanto tempo.
Sempre pensamos em gravar um vídeo de entrevistas, onde poderíamos registrar depoimentos tão importantes como certamente seria o dele, mas ele dizia não se sentir à vontade. Nem por isso deixava de soltar pequenas pérolas quando perguntávamos, principalmente a respeito das pessoas que passaram por aqui e fizeram parte dessa história.
Falava de muitos artistas e curadores num tom familiar. Contava que muitas vezes chegou a ganhar obras de alguns deles, como por exemplo, uma gravura do Danilo di Prete.
Em especial, tinha um carinho por Wanda Svevo, a idealizadora do Arquivo, a quem chamava de “madrinha”. Dizia que durante uma época, ele chegou inclusive a morar no pavilhão, num apartamento improvisado que a dona Wanda e o Ciccillo haviam arrumado para ele, mais ou menos onde está o MAC, no terceiro andar. Disse que como eles trabalhavam demais, muitas vezes virando a noite, precisavam tê-lo sempre por perto para providenciar um lanchinho ou resolver algum problema no prédio. Seu Dedé chegou a morar mais de sete anos aqui, na década de 1960. Talvez tenha sido o único morador desse imenso pavilhão, com seus 25 mil m2.
Diante de fotografias antigas, que não tinham identificação, perguntávamos se ele reconhecia alguma das personalidades retratadas. Muitas vezes ele sabia na hora, e falava: “ah, esse era um sujeito distinto, do bem”. Para o seu Dedé, muita gente era do bem, ou elegante, inteligente, bonita, gente fina. Difícil tirar dele um comentário negativo sobre quem quer que fosse.
No jornal nº 8 da 28ª bienal (2008), também tentaram fazer o seu Dedé falar. Mas com o seu jeito tranquilo, ele sempre acabava desconversando.
Ele gostava mesmo era de ficar observando da janela do Arquivo, principalmente quando tinha evento no pavilhão, ou em dias de montagem. E falava com os passarinhos. De tempos em tempos, cantarolava uma melodia que sempre vamos lembrar: “pa, pa…”. Trazia o nosso café depois do almoço, e às cinco horas em ponto ele partia, sempre dizendo “até amanhã pessoal!”, ao qual seguia o coro: “até amanhã seu Dedé!”.
Sentiremos muita falta do seu Dedé. Apesar de seu pouco falar, a sua presença de alguma forma parecia abençoar esse lugar, que às vezes pode ser bem “carregado de passado”, com tantos documentos e memórias, impregnados por cheiros, cores e sensações do “tempo que já foi”. Esperamos que onde quer que seja, que ele esteja bem e feliz, finalmente livre dos problemas de saúde que vinha enfrentando no último ano. E, quem sabe, reunido e numa boa prosa com toda aquela turma que ele viu passar por aqui.
Seu Dedé no jornal nº 8 da 28ª Bienal (2008)