• Acessibilidade
      Fonte
    • A+
    • Aa


  • Agenda
  • Busca
  • pt
    • en
  • Bienal
  • fundação
  • bienal a bienal
  • Agenda
  • +bienal
  • biblioteca
  • Arquivo Histórico
  • 70 anos
  • apoie
  • café bienal
  • transparência
  • relatório de gestão 2022-2023
  • Imprensa
  • contato
  • identidade visual
Home Artigos Arquivo-encruzilhada: AMT, Zumví, 397

10 dez 2024

Arquivo-encruzilhada: AMT, Zumví, 397

Vista de obra de Archivo de la Memoria Trans (AMT) durante a 35ª Bienal de São Paulo – <i>coreografias do impossível</i>
Vista de obra de Archivo de la Memoria Trans (AMT) durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

 

por Bianca Mantovani

 

se houvesse
um arquivo
de agoras

um catálogo
de acasos

“Museu”, de Ana Martins Marques, em O livro das semelhanças

 

É legítimo pensar em “arquivos de agoras” e “catálogos de acasos” fora de um poema? É plausível guardar acasos e agoras de maneira sistematizada? Digamos que seja quase impossível, mas é nítido em algumas iniciativas independentes o desejo de arquivar e catalogar suas experiências mais autônomas, espontâneas, que atuam nas frestas e falam sobre narrativas não hegemônicas. 

O Archivo de la Memoria Trans, o Zumví Arquivo Afro Fotográfico e o Projeto Arquivo Ateliê397 são organizações arquivísticas independentes e constituem-se como propostas de mobilização da memória, e relacioná-las nos ajuda a entender quais ferramentas são utilizadas atualmente para que a história de diferentes grupos seja preservada. 

Para mim, como mulher umbandista, Exu é uma divindade que cultuo e respeito, pois ele é o orixá da comunicação, o guardião das informações, aquele que habita as encruzilhadas e trabalha na desordem-ordem, com a capacidade de criação e transformação. Então, se Exu matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje,¹ esse embaralhamento, esse cruzamento de informações é pertinente para entender  os arquivos, usando a encruzilhada como epistemologia de análise.

 

Arquivo-encruzilhada

 

A encruzilhada, aqui, não é apenas uma metáfora de um cruzamento, mas o espaço-tempo no qual as possibilidades emergem e fazem morada. Entendê-la como cruzamento de histórias alia-se à ideia de transgredir para “operar nas frestas”, como nos ensina Luiz Rufino.²

Considero os arquivos como encruzilhadas no sentido de provocar a criação de novas narrativas. É na junção que diferentes histórias podem ser geradas. Em diálogo com a pesquisadora das culturas afro-brasileiras Leda Maria Martins, a encruzilhada é tida aqui como “um lugar terceiro, geratriz de produção diversificada e, portanto, de sentidos plurais”.³

Partindo dessa trança, chego aos bancos de dados. Qual narrativa criamos com informações de um banco de dados? O que compreendemos de seus acervos específicos – da história das mulheres trans argentinas, da população negra na Bahia e da arte contemporânea em São Paulo?

Um banco de dados organizado é formado por categorias, filtros, metadados e palavras-chave. A preocupação por sistematizar essas informações e torná-las acessíveis ao público é perceptível nas três iniciativas elencadas. Como o banco de dados é uma estrutura complexa que se interliga conforme os cruzamentos que fazemos, ele nos ajuda a transgredir uma narrativa linear,⁴ colocando-a, portanto, em uma encruzilhada.

Arquivo-encruzilhada flerta com a não linearidade dos arquivos, como uma proposta de leitura crítica das histórias armazenadas. Cruzamentos de ideias, narrativas, palavras-chave denotam a potência desse entroncamento de saberes. Assim, situar os arquivos no diálogo com a contemporaneidade, na perspectiva de junção, é o que permite a emergência de contrapontos, de novas vozes, de uma história que ainda está por ser narrada.

 

Três experiências contemporâneas

 

Idealizado por María Belén Correa e Claudia Pía Baudracco, mulheres trans ativistas, o Archivo de la Memoria Trans (AMT) traz consigo a luta pela visibilidade, história e direito à memória da comunidade trans argentina. O Zumví Arquivo Afro Fotográfico reúne imagens da cultura afro-brasileira do estado da Bahia com a ideia de ser um “quilombo visual”, um arquivo que retrata a população negra a partir das lentes de fotógrafos negros. Por sua vez, o Ateliê397, com seus mais de vinte anos de existência, mostra um recorte da arte contemporânea paulistana, com debates encabeçados de forma pioneira, como questões políticas e de gênero. Criados por motivos, conjunturas e locais diferentes, as três iniciativas independentes carregam uma forte expressividade política para que memórias, lutas e resistências estejam documentadas e preservadas.

O AMT se define como um “espaço para proteção, construção e reivindicação da memória trans” no contexto argentino. A proposta é baseada na reunião de fotos, vídeos, arquivos de áudio, jornais e demais documentos com o objetivo de preservar a história da comunidade trans e lutar contra a transfobia. Sua curadoria de arquivo é separada em 13 séries e possui 44 fundos documentais, que somam mais de 15 mil itens. Há diferentes metadados, como autoria, data, gênero documental, entre outros.

 

Detalhe de obra de Archivo de la Memoria Trans (AMT) durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

 

Com mais de 30 mil negativos, o acervo do Zumví parte de uma organização por temas. Cada imagem carrega consigo informações importantes em seus metadados, como título, descrição, fotógrafo, série, localização e ano de realização. Em conversa com José Carlos Ferreira, gestor do arquivo, e Bruno Pinheiro, apoiador, compreendo que Lázaro Roberto – um dos criadores do Zumví –, quando começa a fotografar e a se preocupar com a conservação desse material, cria um arranjo que organiza e cataloga sua produção por temas, que ainda hoje são mantidos pela instituição.

A fim de explorar nesses arquivos a perspectiva das encruzilhadas, navego por seus bancos de dados, passeando por algumas palavras-chave. No AMT, ao clicar no botão “Catálogo”, encontro um menu com três modos de navegação: Índice, Fondos documentales e Buscar. Abaixo, há uma explicação com hiperlinks que indicam as séries, outros modos de exploração da plataforma. Essas séries são ao mesmo tempo orientações de pesquisa e expressões de uma curadoria do arquivo do AMT, levantando temas que são caros à comunidade trans ali representada nos documentos.

Tomada por mais curiosidade para saber o que pode ir além dessa organização, exploro o “Índice” e encontro uma boa surpresa. Há informações sobre os itens do arquivo tabela – organização que fica sempre nos bastidores dos bancos de dados –, com colunas como autoria, lugar, série, processo, história e data, os metadados de cada item. Ao todo, são quinze páginas com essas informações. Com o comando de busca do computador (Ctrl+F), posso escrever palavras para encontrar pistas, relações, possíveis encontros do “Brasil” em algumas descrições, por exemplo, ou possíveis repetições de categorias, como a procura de um leitor que se depara com um índice remissivo ao final de um livro impresso, mas que aqui se torna totalmente personalizável pelos interesses que quem o pesquisa.

Depois de passar um bom tempo interrogando as páginas com termos e nomes, entro no fundo documental de Mari Popi, rolo a barra de navegação e uma foto me chama a atenção: duas mulheres com vestidos de festa, com saias volumosas e rodadas. Clico e leio nos metadados que se trata de um desfile de carnaval de 1970. Fico intrigada: há mais fotos sobre esse tema? Retorno para o início do catálogo, clico em “Busca”, digito a palavra “carnaval” e uma infinidade de fotografias brotam na minha tela. A encruza nesse arquivo se dá de diversas formas, com diferentes meios de busca, seja no índice, nas séries, nos fundos documentais ou numa busca despretensiosa que pode fazer surgir algo novo à sua tela.

O Zumví me tomou horas de navegação também. Na página inicial, há o botão “Acervo” e começo meus cruzamentos. É possível navegar por “fotógrafos” e perceber o estilo próprio de cada um, a marca autoral. Também há, no início, categorias específicas bem definidas, tais como artistas negros, blocos afros, irmandades negras, LGBT, religiosidade, entre outras.

Abro uma imagem da categoria “movimento de mulheres negras”, começo a navegar e clico na foto com uma criança sorridente segurando um cartaz com a frase “Sim à vida! Contra à esterilização de mulheres negras!”. Amplio a fotografia e clico em “detalhes” no canto superior esquerdo da tela. Vejo que se trata de uma manifestação do dia 8 de março. Minha curiosidade é saber se há outras fotos que documentam essa marcha e se o Movimento das Mulheres Negras também foi fotografado em outros dias de luta. Ainda nessa categoria, é possível utilizar o mecanismo de busca e digito “8 de março”. Uma seleção de dezesseis fotos surgem na tela. Volto, escrevo “marcha” e me deparo com 51 outras fotografias, tornando mais específica a busca quando cruzo a categoria do movimento com outras palavras-chave. Entendo, dessa forma, que as palavras que estão no campo “assunto” também são mecanismos de busca, potencializando os cruzos desse arquivo-encruzilhada.

 

Retrato de Lázaro Roberto junto a obra do Zumví Arquivo Afro Fotográfico durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

 

Percebo que os cruzamentos podem ir além da organização inicial de cada arquivo, fazendo dos metadados verdadeiros parceiros na construção de junções. Após a participação do AMT e do Zumví na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível, em 2023, ambos se tornaram também itens do banco de dados do Arquivo Histórico Wanda Svevo, da própria Fundação Bienal. Ao pesquisar por seus nomes, encontro menções à participação deles na mostra. Ou seja, é importante pensar em cruzamento de arquivos, em uma noção de coletividade e meta arquivos que vão além de seu próprio método de sistematização, mas que trazem outras iniciativas para dentro, permitindo a criação de uma rede entre arquivos. Se a história pode ser entendida como uma perspectiva coletiva sobre o passado, é interessante pensar a própria formação coletiva dos repositórios de memória – sobretudo das iniciativas independentes – como a encruzilhada servindo de base para desdobramentos da escrita da história.

O Projeto Arquivo Ateliê397 reúne um recorte da história do Ateliê397 e utiliza o software gratuito de gestão de acervo, o Tainacan.⁵ Ele reúne uma parte da história do 397, dividido por coleções, revelando uma curadoria de arquivo, assim como seus pares acima. Dentro de cada item, há metadados para que as entradas tenham o máximo de informações possível. Campos como título, ano, sinopse, financiamento, artista e palavras-chave são importantes para o momento de fazer cruzamentos e pesquisas neste arquivo.

Observo que, diferentemente do AMT e do Zumví, onde as buscas devem ser dirigidas – ou seja, tenho que ativamente digitar uma palavra para fazer cruzamentos, um pouco de tentativa e erro – no arquivo do 397 há uma busca exploratória, com listas de itens para que a pessoa possa clicar e se deparar com opções de categorias mesmo sem saber o que busca.

Clico em “exposições”. Ao lado esquerdo da tela, há uma barra com “filtros” definidos e começo alguns cruzamentos exploratórios. O primeiro filtro é curador e, na lista de nomes, escolho o de Thais Rivitti. Ao clicar, o arquivo me diz que cinco itens foram encontrados. Agora fico curiosa para entender em quais dessas exposições esteve presente o artista Raphael Escobar. Seleciono e, como resultado, está o item “À noite, o mundo se divide em dois”. Clico e encontro dados, como sinopse, texto curatorial, palavras-chave, além de fotos dessa exposição.

 

Tetê Lian, Despossessão, 2024. Individual no Ateliê 397 com curadoria de Lucas Goulart. Foto: Estúdio em Obra

 

Entusiasmada com as pesquisas e cruzamentos possíveis, percebo que há um desejo de coletividade e projeto de futuro nos três arquivos. Todas são iniciativas independentes que reconhecem a força política e social de suas histórias. São propostas de narrativas a fim de que sejam veiculadas e mobilizadas para pesquisas e geração de conhecimentos.

Disponibilizar um acervo online é também uma forma de garantir a democratização da memória, de seu acesso inteligível, gratuito e convidativo, não somente para os grupos sociais ali representados, mas também para as organizações que os encabeçam. Uma instituição cultural que pensa o seu próprio presente precisa também pensar seu próprio passado para alcançar seus desejos de futuro.

 

“Nós, que somos das encruzilhadas, desconfiamos daqueles do caminho reto”

 

Colocar o arquivo na encruzilhada, no meio do redemoinho, é não seguir o caminho reto e linear, é perceber as histórias atravessadas por outras e que os caminhos são múltiplos. Portanto, provoco aqui esse pensamento sobre as encruzilhadas para que possamos alargar as possibilidades de construção de memória e otimizar a elaboração de bancos de dados como ferramentas acessíveis, visando o cruzamento de saberes e práticas.

As iniciativas independentes que estão empenhadas em refletir sobre sua trajetória, organizar sua memória e disponibilizar ao público fotos, áudios, textos e outras informações contribuem não somente para preservação de uma história própria, mas talvez incentivem outras organizações a fazer o mesmo, ampliando o acesso às narrativas coletivas. Na era de algoritmos, inteligência artificial, geração de imagens e textos, salvaguardar sua memória permite que os protagonistas e autores de cada instituição autônoma, cada grupo marginalizado, narre a partir de sua própria voz.

Como as histórias não são unidimensionais, podemos questionar leituras únicas a partir de documentos. Retomo o poema de Ana Martins Marques para que o desejo de arquivar agoras e acasos, cruzar instantes e trazer novas perspectivas nos permita acessar, resgatar e compreender narrativas a partir de sua potência coletiva.


¹ Ditado iorubá.
² Luiz Rufino. Pedagogia das encruzilhadas. São Paulo: Mórula, 2019.
³ Leda Maria Martins. Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpo tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
⁴ Priscila Arantes. Re/escrituras da arte contemporânea: história, arquivo e mídia. Porto Alegre: Sulina, 2015.
⁵ Tainacan é um software gratuito pensado para disponibilizar acervos digitais de instituições culturais brasileiras. https://tainacan.org/


Sobre a autora

Bianca Mantovani é gestora cultural, curadora e pesquisadora. Mestra em museologia pela USP, tem experiência no setor cultural em diversas instituições. Escreve verbetes para a Enciclopédia do Itaú Cultural e atua como curadora da Festa Lítero Musical de São José dos Campos – FLIM.

Leia também


Acessar +bienal
Texto9 maio 2025

Modelagem metamórfica

Essa é uma das estratégias apresentadas no segundo ato da exposição (RE)INVENÇÃO, com curadoria de Luciana Saboia, Matheus Seco e Eder Alencar, do grupo Plano Coletivo, que ocupa o Pavilhão do Brasil durante a 19ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia.

Saber mais
Texto9 maio 2025

Estrutura aberta

Essa é uma das estratégias apresentadas no segundo ato da exposição (RE)INVENÇÃO, com curadoria de Luciana Saboia, Matheus Seco e Eder Alencar, do grupo Plano Coletivo, que ocupa o Pavilhão do Brasil durante a 19ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia.

Saber mais
Texto9 maio 2025

Corte climático

Essa é uma das estratégias apresentadas no segundo ato da exposição (RE)INVENÇÃO, com curadoria de Luciana Saboia, Matheus Seco e Eder Alencar, do grupo Plano Coletivo, que ocupa o Pavilhão do Brasil durante a 19ª Mostra Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia.

Saber mais

Newsletter

Receba a Newsletter da Bienal

Bienal

  • Fundação
  • Bienal a Bienal
  • Agenda
  • +bienal
  • Biblioteca
  • 70 anos
  • Arquivo Histórico
  • Apoie
  • Café Bienal
  • Transparência
  • Relatório de Gestão 2022-2023

  • Contato
  • Identidade Visual

Fundação Bienal de São Paulo

Av. Pedro Álvares Cabral, s/n - Moema CEP 04094-050 / São Paulo - SP

Contato

+55 11 5576.7600 contato@bienal.org.br

Privacidade
•
Termos de uso
Copyright © 2025 Bienal de São Paulo
Ao clicar em "Concordar", você concorda com uso de cookies para melhorar e personalizar sua experiência, bem como nossa Política de Privacidade. Ver a Política de Privacidade*.
Concordar