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Home Artigos Muro como suporte: o Templo de Oxalá de Rubem Valentim

14 abr 2025

Muro como suporte: o Templo de Oxalá de Rubem Valentim

Detalhe de <i>Templo de Oxalá</i>, de Rubem Valentim, durante a 35ª Bienal de São Paulo – <i>coreografias do impossível</i>
Detalhe de Templo de Oxalá, de Rubem Valentim, durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

 

por Bruno Pinheiro

 

Rubem Valentim apresentou em outubro de 1977 sua obra Templo de Oxalá na 14ª Bienal de São Paulo. A instalação é formada por um conjunto de vinte esculturas que, na ocasião, foram dispostas sobre um espaço de 200 m², coberto de grama sintética verde, e dez relevos arranjados em um fundo azul. Todas as peças eram feitas de madeira compensada, pintadas com tinta acrílica branca, e obedeciam ao vocabulário geométrico rígido que Valentim havia consolidado anos antes, no início da década de 1960. 

A obra fazia parte da seção daquela Bienal chamada “Muro como suporte” e foi apresentada junto à produção de outros dezoito artistas de diferentes países. Cada uma delas trazia suas próprias propostas de integração da arte com a arquitetura e a paisagem. Como Valentim revelou um ano após a mostra em uma entrevista publicada no Correio Braziliense, o convite para criar uma obra para essa seção teve origem em um projeto seu anterior em Brasília: a fachada de mármore que criou em 1972 para o edifício-sede da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) – hoje Secretaria de Fazenda do Distrito Federal.

O conjunto de obras que o Templo de Valentim integrava fazia parte de uma das sete “proposições contemporâneas” indicadas pela equipe de curadores da edição. Aquela havia sido a primeira Bienal a alterar o modelo de salas divididas em representações nacionais, e apresentou um projeto curatorial idealizado por uma equipe de sete pessoas, entre homens e mulheres que, na ocasião, foi chamada de Conselho de Arte. 

 

Detalhe da obra fotografado na parte externa do Pavilhão da Bienal, 1977 © Arquivo Histórico Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo

 

Rubem Valentim começou a pintar em 1949, logo após presenciar a Exposição de arte moderna realizada na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, em Salvador. O impacto da mostra levou Valentim a alugar uma sala em um edifício antigo no centro da cidade e, ali, montar seu primeiro ateliê. Em pouco tempo ele estava dividindo seu cotidiano entre o trabalho como dentista e a pesquisa em pintura. O artista buscava a abstração a partir do mundo físico ao seu redor e estudava Cézanne e Kandinsky em livros emprestados do Museu do Estado. Durante sua primeira década como pintor, Valentim explorou várias tradições abstratas – do modernismo ocidental, passando pela iconografia esotérica, até a visualidade religiosa afro-brasileira –, explorando a poética que iria se consolidar anos à frente.

No mesmo período em que Valentim começou a pintar, uma rede de críticos e artistas modernistas se articulava em Salvador em torno da ideia da criação de um Museu de Arte Moderna na cidade. Ao mesmo tempo em que ocupava um papel central nessa rede, ele também encarava grandes desafios na sua trajetória como pintor. Por um lado, o ambiente modernista local favorecia a arte figurativa, sobretudo obras alinhadas ao crescente interesse comercial e de instituições de Estado por trabalhos que sugeriam a ideia de uma Bahia onde predominassem relações raciais harmônicas. Por outro lado, como ocorria em qualquer outro meio profissional especializado em uma cidade em que a desigualdade racial era profunda e evidente, os mecanismos de legitimação dentro desse campo costumavam ser limitados para artistas negros como ele.

Em 1959, Valentim se mudou para o Rio de Janeiro. Esse foi um momento de grande transformação para sua carreira. Enquanto consolidava seu vocabulário visual baseado nos instrumentos sagrados do candomblé, passou a viver em um ambiente artístico muito mais aderente a pesquisas em abstração geométrica. Por outro lado, ele passou a estar mais exposto a obras de arte africana no Brasil, diante do crescente debate sobre a descolonização da África. Em 1962 considerou aproveitar o Prêmio de Viagem do Salão Nacional de Arte Moderna em algum país do continente africano, mas acabou decidindo ir no ano seguinte para Roma, onde viveu até 1966.

 

O artista rodeado pelo Templo. Revista Manchete, 15 de outubro de 1977.

 

As vinte esculturas montadas em 1977 sobre a grama sintética no Templo de Oxalá têm alturas variadas. Em comum compartilham sua forma hierática, que se projeta em direção ao céu. Todas elas obedecem ao vocabulário geométrico de Valentim, produzido a partir do contínuo rearranjo de oxês, ofás e outras ferramentas de orixás. Esse léxico simbólico produz na obra um ritmo de variações e repetições que se alternam entre alto-relevos e vazios.

A disposição das esculturas na exposição desempenha um papel fundamental na percepção da obra. À medida que os espectadores se movem pelo espaço, eles experimentam um senso de espacialidade mutável. Essa sensação oscila entre a rigidez das peças e a dinâmica estabelecida pelos vazios produzidos entre elas. Desse modo, os espaços vazios se tornam matéria constitutiva da obra, e produzem um sentido de circulação que remete à do axé, a energia vital que flui pelos corpos humanos e não humanos.

O predomínio do branco, o funfun da cultura iorubá, remete a Oxalá, a quem é dedicado o Templo geométrico. Esse mesmo branco ressoa uma outra experiência bastante cotidiana para Valentim: a cor e o ritmo dos edifícios do Plano Piloto de Brasília, onde ele passou a morar ao voltar de Roma. A uniformidade de suas figuras em forma totêmica ressoa a estética da arquitetura moderna de Brasília, concebida por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Assim como o Templo de Valentim, a própria Brasília pode ser vista como uma escultura – um ambiente onde os espectadores podem navegar em um espaço produzido dentro do mesmo programa visual uniforme. 

Como vimos, Valentim já havia contribuído em 1972 com a paisagem urbana da cidade ao projetar os relevos em mármore branco do edifício da Novacap, obra alinhada com sua pesquisa de arte ambiental. Colocá-las lado a lado, mármore com as madeiras compensadas, nos permite experienciar seu Templo como um exercício de arquitetura especulativa que aponta tanto para espaços íntimos de contemplação e conexão com o sagrado como para a projeção de um estilo arquitetônico totalizante como foi o caso de Brasília, porém alinhado com as cosmovisões africanas que fundamentam a experiência social no país.   

Assim como o espaço construído em Brasília, o Templo de Oxalá funciona como um modelo dentro de um projeto artístico maior que apontava para a reelaboração da realidade brasileira nos anos anteriores à redemocratização. No caso de Valentim, esse projeto se deu por meio de valores culturais afro-brasileiros, e em um momento de crescentes tensões lideradas por organizações culturais negras que reivindicavam o reconhecimento da centralidade das culturas africanas na experiência nacional, como bem observado por Osmundo Pinho¹ em suas análises do processo de “reafricanização” do carnaval naquele mesmo período.

 

O Templo de Oxalá remontado na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

 

A persistência do projeto de Rubem Valentim é atestada na remontagem da obra durante a 35ª Bienal de São Paulo, realizada em 2023. Trabalhos como o Templo de Oxalá, a seu tempo, não faziam parte da norma, mas da exceção. E é no deslocamento dessa obra como centro de uma tradição formada por artistas negros como Valentim, ou de artistas pertencentes a outros grupos raciais não brancos, que ela ganha força para a atual arte contemporânea. Nesse sentido, a 35ª Bienal foi também a primeira edição da mostra com um time de curadores formado majoritariamente por pessoas negras. Entre esses dois momentos, 1977 e 2023, o Templo de Oxalá nos lembra da importância das formas de conhecimento e de organização das estruturas sociais que nos são ancestrais, e que persistiram a despeito das violências que se reproduzem e se reorganizam desde o período do colonialismo. 


¹ Como por exemplo em: Osmundo Pinho. O mundo negro: hermenêutica da reafricanização em Salvador, Curitiba: Progressiva, 2010.


Sobre o autor

Bruno Pinheiro é historiador da arte, curador e educador. Tem doutorado em História pela Unicamp, e atualmente é pesquisador de pós-doutorado no Leonard A. Lauder Research Center for Modern Art no Metropolitan Museum of Art, onde realiza pesquisa sobre artistas modernistas negros na América Latina e Caribe. Tem experiência de pesquisa e ensino em história da arte e cultura visual da Diáspora Africana nas Américas


Este texto faz parte de uma série dedicada ao Arquivo Histórico Wanda Svevo, que completa 70 anos em 2025. Todas as imagens dessa série são ilustradas por fotos guardadas no Arquivo Bienal. Aproveite para conhecer a página do Arquivo e o seu banco de dados, sempre aberto ao público. A iniciativa tem apoio do Promac.

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