Na semana passada, a equipe da Sala de Leitura da 30ª Bienal, composta por integrantes do Arquivo e o Educativo Bienal, visitou o Sarau Vila Fundão, na região do Campo Limpo e Capão Redondo, zona sudoeste de São Paulo. A visita começou na Casa da Mulher e da Criança. A equipe foi muito bem recebida pelo Rafael, um dos agentes mais ativos da comunidade, envolvido em vários projetos, espaços e atividades culturais e de formação na região, através da Agência Popular Solano Trindade.
Casa da Mulher e da Criança, Jardim Maria Sampaio – Campo Limpo, São Paulo
Rafael nos contou sobre a União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacência e sua longa trajetória, começando em meados do século passado, com a chegada dos imigrantes nordestinos que vieram trabalhar na construção civil em São Paulo, estabelecendo-se na região do Campo Limpo, onde não havia nada. Foram as mulheres desses imigrantes que, ao se organizarem para pensar em melhorias para o bairro, fundaram a União no início dos anos 1960.
Enquanto em uma das salas da casa acontecia uma aula de alfabetização de adultos e na cozinha um café era passado na hora, numa sala do fundo, Rafael nos falou sobre o Banco Comunitário União Sampaio, instalado ali, com a proposta de democratizar serviços financeiros e bancários para a comunidade, promovendo o desenvolvimento local. Entre os serviços que o banco oferece, existem títulos de capitalização e vários tipos de créditos (consumo, produtivo, puxadinho…)
Rafael na agência do Banco Comunitário União Sampaio
Apoiada pelo banco, a Agência Solano Trindade criou a moeda cultural “Solano”, viabilizando e fortalecendo projetos culturais e espaços de produção por meio de uma rede de pessoas que colaboram e trocam seus serviços, produtos e saberes.
Moedas comunitárias da Rede Brasileira de Bancos Comunitários (existem mais de oitenta em todo o Brasil).
Da União das Mulheres, Rafael nos levou à nova sede da Agência perto dali, um espaço colaborativo num prédio de três andares com escadaria de vidro, ateliês, escritórios, laje e um belo auditório. Conhecemos os integrantes do Ateliê Popularte, que compartilham o espaço com outros artistas e coletivos culturais. Juntos, essas organizações e coletivos realizam inúmeras atividades.
Finalmente chegamos ao Sarau Vila Fundão, que acontece todas as quintas-feiras. A noite estava agradável e na “área do Mano Brown” o ambiente era familiar. Muitas crianças, todo mundo se conhece. Afinal, trata-se de uma comunidade, no sentido que estão todos ali compartilhando algo que lhes é comum e que eles fazem juntos.
Um bar com uma tela de projeção, equipamento de som, cerveja, pastel e uma laje, de onde pode-se ver o porquê do nome “fundão”. As pessoas chegam aos poucos, e de repente todas as cadeiras já estão ocupadas. E a rua vai enchendo…
Apaga-se a luz, as crianças atentas, começa a projeção: A Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman, um dos episódios do filme fundamental do cinema novo 5xFavela, de 1962. O episódio da noite mostrava a resistência de uma comunidade que vivia no alto de uma pedreira, que corria o risco de desabar por explosões. “Ah, isso é velho, mas isso é novo também”, ouvia-se alguém comentar. O filme, assistido em silêncio pelo público, foi seguido por um debate que atualizava a história trazendo-a para a realidade de copas e olímpiadas, e os processos de especulação imobiliária e higienização social.
O Sarau da Fundão tem fama de ser um dos mais politizados. Essa noite recebia o Sarau do Binho, um dos mais conhecidos na periferia paulistana, que está sem a sua sede desde que a Prefeitura fechou o local por não ter licença de funcionamento. Como o próprio Binho definiu: “Não tenho o alvará porque pedi e eles não me deram, aí eles fecham o bar porque não tenho o que eles não me dão”. E agora tem uma multa alta para pagar e para poder reabrir, e a solução encontrada foi colocar o projeto no site Catarse, e conseguir fundos através de financiamento coletivo. Binho recitou uma poesia de um escritor da comunidade, que teve o livro lançado pela Agência Solano Trindade, e as manifestações espontâneas foram acontecendo sem a necessidade de muita ordem, “quem vai colar”? Uma mina arrasou recitando Fernando Pessoa sem hesitar, num tipo “rap do desassossego”.
Entre poesia falada, cantada, dançada, o Sarau da Fundão foi uma daquelas experiências que deixa um gostinho de quero mais. Como já cantou Criolo: “…as criança daqui, tão de HK, leva no sarau, salva essa alma aí.”
E fica o poema estampado na camiseta do Binho:
Uma Andorinha Só
Não faz verão
Mas Pode Acordar
O Bando Todo
No próximo domingo 5 de agosto o evento Cultura Periférica Vive acontecerá no Espaço Rio Verde, na Vila Madalena, com exposição do Ateliê Popularte e Sarau do Binho.